Ando assistindo muito a uma série chamada
“Once upon a time” que estreou há pouco num canal a cabo, com certeza isso
explica o que me aconteceu e que passo a contar pra vocês.
Estava lendo
um livro pra minha filha e de repente me vi num turbilhão, achei até que fosse
encontrar o homem de lata, ao invés disso abri os olhos e estava diante de um
imenso espelho oval com moldura de ouro cheia de rococós, assim como tudo a
minha volta era suntuoso, o quarto, a cama com mosqueteiro e ornamentos como os
do espelho. Afinal, onde eu estava? O espelho me mostrava uma dama de vestido
longo, armado, muito volumoso e maravilhoso, realmente eu me via linda com os
cabelos presos em um coque e muitas, muitas joias.
Saí do quarto e fui descendo as escadas
enormes do estrondoso palácio. Alguns anões me esperavam a uma mesa de
jogatina, no lugar reservado para mim, algumas cartas me aguardavam e eu,
estranhamente, já sabia o que fazer. Virei para o mais zangado deles e pedi.- Vê se não me rouba. Você sabe muito bem
que o que está em jogo é algo muito sério.
- Para de falar e joga – disse a criaturinha
pequena e carrancuda do outro lado da mesa.
O prêmio seria, nada mais nada menos do
que o direito de conceder a mão da minha enteada, Branca de Neve. Os anões
queriam ganhar a rodada de apostas pra libertar a garota de tamanha vergonha à qual eu a estava submetendo, oferecendo-a assim, em uma bandeja.
Não sei como, pois nunca fui boa em jogos,
saí vitoriosa; dirigindo-me ao anão, cobrei-lhe o resultado.
- Podemos negociar agora, afinal, vocês
devem ter um primo distante, de 1,80 na família que possa desposar Branca de
Neve.
O homenzinho, impaciente, virou-se para
mim com um olhar triste como eu jamais o vi, tornando-se rancoroso novamente
desviou de mim o olhar dizendo que a princesinha não merecia esse destino, que
gostavam muito dela e que eles a abrigaram justamente quando eu, a malvada,
expulsei-a de casa.
- Espere aí, eu não a expulsei de casa, só
achei que ela deveria conhecer melhor o caçador, ele é forte, másculo, bonitão,
só queria que ela se divertisse um pouco, mas parece que ela tá focada é em
outra pessoa.
- Se sabe que ela gosta dele porque
insiste em casá-la com outro? – perguntou indignado.
Sem oferecer resposta ou explicações, com
raiva e um balançar de cabeça agitado, como se pudesse expulsar esse horrível
pensamento, o ciúme foi tomando conta de mim tal qual uma febre que se alastra
pelo corpo sem possibilidade preventiva.
- Vá pra casa, mande lembranças minhas a
ela – vomitei sem dar tempo para discussões.
Ele olhou-me como se quisesse espetar uma
estaca em meu peito, ignorei a afronta e voltei para o meu quarto onde meu
espelho esperava para dar-me notícias auspiciosas.
- Seu amado está voltando, minha rainha.
- Psiu!! Se alguém te pega dizendo isso,
eu tô frita. Ninguém pode saber que eu afastei a mais bela mulher do palácio
porque, na minha idade, estou apaixonada pelo lindo príncipe de olhos azuis a
quem Branca, exageradamente, como qualquer adolescente, diz ter entregue seu
coração.
Troquei meu belo vestido por outro ainda
mais estonteante, rubro como as maçãs envenenadas, e aguardei anunciarem sua
chegada.
Quando desci para o salão ao seu encontro
meu coração dava cambalhotas no peito e eu senti-me a adolescente que criticava
em Branca e que, no fundo, compreendia muito bem. Ao encontrar seus olhos,
aquele mar infinito me tragou pra dentro e eu tive que me concentrar para não
bancar a tola, seu queixo quadrado proeminente, suas covinhas maravilhosas que
se abriam ao sorrir e iluminavam o mundo.
Ele ajoelhou-se para beijar a minha mão e
um calor ardente subiu por minhas bochechas, fiquei embaraçada, porém, mantive
minha postura real, distante.
- Rainha, que prazer revê-la, onde está
Branca? – equilibrei minha raiva no fio de delicadeza que ainda me restava ao
cruzar seu olhar, tinha muito medo que ele descobrisse meu plano sórdido, então
desconversei.
- Ela quis dar um tempo do castelo e
resolveu passar uns dias com uns amigos, sabe como são as adolescentes... O que
anda fazendo tão bravo Cavalheiro.
Ele sorriu aquele indecifrável e doce
sorriso que me puxava para o interior de um oceano de sentimentos alarmantes
que me tornavam perversa a ponto de abandonar uma jovem indefesa que estava sob
meus cuidados para seguir seu caminho a mercê de seu próprio destino. Ninguém
me amaria sabendo de uma crueldade dessas.
Eu era mais velha, óbvio que muito bem
cuidada, linda, sem falsas modéstias, mas com uma única concorrente em todo
aquele vasto reino, Branca.
- Você como sempre, linda demais, minha
rainha.
Eu sorri com tristeza.
- É uma pena que não o suficiente para
enternecer e embriagar coração tão nobre, entendo que esteja procurando minha
enteada, mas sinto em informar-lhe...
- Não, não entende os verdadeiros motivos
que me trouxeram até aqui. – estendeu-me a mão onde havia uma maçã escarlate
como o sangue que latejava em minhas veias.
Eu dei uma gargalhada nervosa – Ah! Meu
querido, se liga, eu já conheço esse lance, logo comigo? Quer me adormecer pela
eternidade para que possa ficar com a bela e doce Branca. Já vi esse filme.
Você tá traindo a minha confiança, mas tudo bem, eu mereço isso, desde que
condenei minha linda enteada ao degredo por te... – falava sem freios e
começava a escancarar minha estupidez malévola enquanto ele sorria, cortou-me
bruscamente sem deixar que eu expusesse completamente os desatinos de minhas
últimas decisões.
- Esta maçã simboliza meu coração entregue
a ti, minha senhora, estou perdidamente apaixonado por você.
Quase desfaleci, no entanto eu não poderia
me fazer de donzela frágil a essas alturas da vida, parecia que o meu cérebro
estava ouvindo uma piada de mau gosto ou, eu seria, a partir de então, feliz de
verdade?
- Eu impus um exílio a Branca por ciúme,
acreditando que você estaria tão apaixonado por ela quanto ela estava por você.
Enganei-me, afinal, essa não é a lógica dessas histórias, ela é tão jovem, tão
bela!!
- O que você fez foi muito errado, não
sabia que Branca gostava de mim dessa forma, nunca pensei nela como minha
amada, ela era minha irmãzinha mais nova, a quem devo proteger, porém, você,
minha senhora, sempre foi a experiente, a mulher preparada para todos os
percalços da vida, perdeu o marido e continuou levando sozinha as
responsabilidades do reino enquanto Branca crescia para ocupar o seu lugar.
Você é a destemida, a única mulher dos meus sonhos e sempre foi.
Parecia que eu havia sido sugada para o
mesmo turbilhão que me trouxe até ali, mas tinha consciência de manter meus pés
fixados no chão, embora a cabeça rodopiasse.
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Fizemos um baile, o Príncipe levou um
primo seu de um reino far-farway para que ela conhecesse e,
como esperávamos, um pouco volúvel que era, apaixonou-se perdidamente pelos
olhos verdes e cabelos loiros do rapaz.
Estava novamente olhando para o espelho e
ouvi uma voz chamando ao longe, acordei com o pescoço dolorido, torta que
estava deitada ao lado da minha filha com o livro de histórias cobrindo-me.
Avistei no vão da porta do quarto entreaberta os mesmos olhos azuis, o queixo
quadrado proeminente, as covinhas lindas que se abriam num sorriso, era meu
marido convidando-me para o paraíso. Levantei-me, beijei minha filha e imaginei
que o papel de madrasta má não era bem a minha cara, mas a gente se adapta às
mais diversas situações...