segunda-feira, 5 de agosto de 2013

CONTO DE MULHER

Ando assistindo muito a uma série chamada “Once upon a time” que estreou há pouco num canal a cabo, com certeza isso explica o que me aconteceu e que passo a contar pra vocês.  
Estava lendo um livro pra minha filha e de repente me vi num turbilhão, achei até que fosse encontrar o homem de lata, ao invés disso abri os olhos e estava diante de um imenso espelho oval com moldura de ouro cheia de rococós, assim como tudo a minha volta era suntuoso, o quarto, a cama com mosqueteiro e ornamentos como os do espelho. Afinal, onde eu estava? O espelho me mostrava uma dama de vestido longo, armado, muito volumoso e maravilhoso, realmente eu me via linda com os cabelos presos em um coque e muitas, muitas joias.
Saí do quarto e fui descendo as escadas enormes do estrondoso palácio. Alguns anões me esperavam a uma mesa de jogatina, no lugar reservado para mim, algumas cartas me aguardavam e eu, estranhamente, já sabia o que fazer. Virei para o mais zangado deles e pedi.- Vê se não me rouba. Você sabe muito bem que o que está em jogo é algo muito sério.
- Para de falar e joga – disse a criaturinha pequena e carrancuda do outro lado da mesa.
O prêmio seria, nada mais nada menos do que o direito de conceder a mão da minha enteada, Branca de Neve. Os anões queriam ganhar a rodada de apostas pra libertar a garota de tamanha vergonha à qual eu a estava submetendo, oferecendo-a assim, em uma bandeja.
Não sei como, pois nunca fui boa em jogos, saí vitoriosa; dirigindo-me ao anão, cobrei-lhe  o resultado.
- Podemos negociar agora, afinal, vocês devem ter um primo distante, de 1,80 na família que possa desposar Branca de Neve.
O homenzinho, impaciente, virou-se para mim com um olhar triste como eu jamais o vi, tornando-se rancoroso novamente desviou de mim o olhar dizendo que a princesinha não merecia esse destino, que gostavam muito dela e que eles a abrigaram justamente quando eu, a malvada, expulsei-a de casa.
- Espere aí, eu não a expulsei de casa, só achei que ela deveria conhecer melhor o caçador, ele é forte, másculo, bonitão, só queria que ela se divertisse um pouco, mas parece que ela tá focada é em outra pessoa.
- Se sabe que ela gosta dele porque insiste em casá-la com outro? – perguntou indignado.
Sem oferecer resposta ou explicações, com raiva e um balançar de cabeça agitado, como se pudesse expulsar esse horrível pensamento, o ciúme foi tomando conta de mim tal qual uma febre que se alastra pelo corpo sem possibilidade preventiva.
- Vá pra casa, mande lembranças minhas a ela – vomitei sem dar tempo para discussões.
Ele olhou-me como se quisesse espetar uma estaca em meu peito, ignorei a afronta e voltei para o meu quarto onde meu espelho esperava para dar-me notícias auspiciosas.
- Seu amado está voltando, minha rainha.
- Psiu!! Se alguém te pega dizendo isso, eu tô frita. Ninguém pode saber que eu afastei a mais bela mulher do palácio porque, na minha idade, estou apaixonada pelo lindo príncipe de olhos azuis a quem Branca, exageradamente, como qualquer adolescente, diz ter entregue seu coração.
Troquei meu belo vestido por outro ainda mais estonteante, rubro como as maçãs envenenadas, e aguardei anunciarem sua chegada.
Quando desci para o salão ao seu encontro meu coração dava cambalhotas no peito e eu senti-me a adolescente que criticava em Branca e que, no fundo, compreendia muito bem. Ao encontrar seus olhos, aquele mar infinito me tragou pra dentro e eu tive que me concentrar para não bancar a tola, seu queixo quadrado proeminente, suas covinhas maravilhosas que se abriam ao sorrir e iluminavam o mundo.
Ele ajoelhou-se para beijar a minha mão e um calor ardente subiu por minhas bochechas, fiquei embaraçada, porém, mantive minha postura real, distante.
- Rainha, que prazer revê-la, onde está Branca? – equilibrei minha raiva no fio de delicadeza que ainda me restava ao cruzar seu olhar, tinha muito medo que ele descobrisse meu plano sórdido, então desconversei.
- Ela quis dar um tempo do castelo e resolveu passar uns dias com uns amigos, sabe como são as adolescentes... O que anda fazendo tão bravo Cavalheiro.
Ele sorriu aquele indecifrável e doce sorriso que me puxava para o interior de um oceano de sentimentos alarmantes que me tornavam perversa a ponto de abandonar uma jovem indefesa que estava sob meus cuidados para seguir seu caminho a mercê de seu próprio destino. Ninguém me amaria sabendo de uma crueldade dessas.
Eu era mais velha, óbvio que muito bem cuidada, linda, sem falsas modéstias, mas com uma única concorrente em todo aquele vasto reino, Branca.
- Você como sempre, linda demais, minha rainha.
Eu sorri com tristeza.
- É uma pena que não o suficiente para enternecer e embriagar coração tão nobre, entendo que esteja procurando minha enteada, mas sinto em informar-lhe...
- Não, não entende os verdadeiros motivos que me trouxeram até aqui. – estendeu-me a mão onde havia uma maçã escarlate como o sangue que latejava em minhas veias.
Eu dei uma gargalhada nervosa – Ah! Meu querido, se liga, eu já conheço esse lance, logo comigo? Quer me adormecer pela eternidade para que possa ficar com a bela e doce Branca. Já vi esse filme. Você tá traindo a minha confiança, mas tudo bem, eu mereço isso, desde que condenei minha linda enteada ao degredo por te... – falava sem freios e começava a escancarar minha estupidez malévola enquanto ele sorria, cortou-me bruscamente sem deixar que eu expusesse completamente os desatinos de minhas últimas decisões.
- Esta maçã simboliza meu coração entregue a ti, minha senhora, estou perdidamente apaixonado por você.
Quase desfaleci, no entanto eu não poderia me fazer de donzela frágil a essas alturas da vida, parecia que o meu cérebro estava ouvindo uma piada de mau gosto ou, eu seria, a partir de então, feliz de verdade?
- Eu impus um exílio a Branca por ciúme, acreditando que você estaria tão apaixonado por ela quanto ela estava por você. Enganei-me, afinal, essa não é a lógica dessas histórias, ela é tão jovem, tão bela!!
- O que você fez foi muito errado, não sabia que Branca gostava de mim dessa forma, nunca pensei nela como minha amada, ela era minha irmãzinha mais nova, a quem devo proteger, porém, você, minha senhora, sempre foi a experiente, a mulher preparada para todos os percalços da vida, perdeu o marido e continuou levando sozinha as responsabilidades do reino enquanto Branca crescia para ocupar o seu lugar. Você é a destemida, a única mulher dos meus sonhos e sempre foi.
Parecia que eu havia sido sugada para o mesmo turbilhão que me trouxe até ali, mas tinha consciência de manter meus pés fixados no chão, embora a cabeça rodopiasse.
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Buscamos Branca de Neve, pedi perdão a ela, porém não contamos sobre nosso amor, não queria magoá-la. Parece doçura demais pra mim, no entanto, o amor traz consigo pureza,  paz, eu não era aquela criatura pérfida, nem era cruel, havia cuidado de minha enteada até o momento. O ciúme é como uma fonte que jorra água amarga e respinga em todos a sua volta, arrependi-me de não levar em consideração seus sentimentos e querer casá-la à força para limpar meu caminho, já que não me achava a sua altura, só esqueci-me de que as qualidades de uma mulher não residem na juventude.
Fizemos um baile, o Príncipe levou um primo seu de um reino far-farway para que ela conhecesse e, como esperávamos, um pouco volúvel que era, apaixonou-se perdidamente pelos olhos verdes e cabelos loiros do rapaz.
Estava novamente olhando para o espelho e ouvi uma voz chamando ao longe, acordei com o pescoço dolorido, torta que estava deitada ao lado da minha filha com o livro de histórias cobrindo-me. Avistei no vão da porta do quarto entreaberta os mesmos olhos azuis, o queixo quadrado proeminente, as covinhas lindas que se abriam num sorriso, era meu marido convidando-me para o paraíso. Levantei-me, beijei minha filha e imaginei que o papel de madrasta má não era bem a minha cara, mas a gente se adapta às mais diversas situações...


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