sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Déjà vu

     Dobrei a esquina, o coração batendo forte, estava pronta para aceitar a proposta que, enfim, receberia nesta tarde, não via a hora de olhar nos olhos dele, sorrir e abraçá-lo, expressando todo o meu amor.
    Atravessei a rua e o coração ribombava no peito a ponto de sair pela boca, “nossa”, eu pensei, “nunca imaginei que estaria tão emocionada”, entrei no restaurante ávida para encontrar a mesa em que ele estava. Deparei-me com algo que me paralisou instantaneamente e fez meu corpo gelar, como se tivesse recebido um jato d’água abaixo de zero, havia uma garota sentada confortavelmente ao seu lado, esbelta, alta, cabelos longos, sorriso estonteante, ela demonstrava que divertia-se muito na companhia do meu amado. Estacada no meio do corredor do restaurante o maitre perguntava qual mesa eu preferia apontando uma mais ao fundo e outra na lateral, únicas ainda não ocupadas, mas eu só fui prestar atenção no homem que gesticulava alguns segundos depois, em que passava um pouco o efeito do raio congelante.
    Depois de sair do torpor que me sugou pra dentro do meu cérebro, refleti em segundos e, após responder para o homem que já tinha lugar reservado, encaminhei-me pra lá resoluta disposta a não me preocupar mais até ser apresentada.
    Cheguei-me a eles com um sorriso ensaiado, cumprimentei meu namorado com um leve beijo nos lábios e virei-me para a mulher, que, de perto era, para meu horror, mais linda ainda. Estendi a mão e esperei que ele me apresentasse, o que rapidamente fez olhando para ela e apontando-me: “Rafaela, esta é minha namorada, Sofia.” Virando-se para mim: “Sofia, esta é uma cliente, interessada no apartamento da rua Asafe.”
    Além do sorriso e da mão estendida só saiu um “prazer” meio chocho, esperei que mais considerações fossem feitas, afinal, aquele não seria um almoço de negócios, mas sim o momento em que decidiríamos o nosso futuro, a sós, assim eu esperava.
    Sentei-me e eles continuaram a conversar como se eu não estivesse ali. Acreditei que isso seria bobagem e dentro de alguns segundos a moça se levantaria e nos deixaria sozinhos com nossos assuntos. Mas não foi o que aconteceu, pedimos o almoço e eles prosseguiram na conversa abordando desde os preços descabidos dos imóveis, passando pela vontade dela em adquirir um prédio comercial no centro além do apartamento que estavam negociando, até chegarem a assuntos mais íntimos como quantas pessoas morariam com ela. A conversa calorosa entre os dois embrenhou-se por um campo minado, ele, de forma totalmente desrespeitosa, inquiriu-a sobre o fato dela ser tão jovem e bonita e não ter namorado. Pronto, esse insulto eu não toleraria, a exposição, o abandono rude, a dissimulação, o jogo de palavras, eu engoli tudo para não dar vexame, no momento oportuno colocaria a questão em pauta, mas o que aconteceu após evocou meu lado mais explosivo. Meu namorado não era dado a gracinhas com outras mulheres e sabia perfeitamente que o sangue que corria em minhas veias era desajustadamente quente em situações como essas. E mais, ele me ignorava a quase meia hora, papeando descontraidamente com aquela sirigaita que eu nem sabia de que galinheiro havia surgido (desculpem-me a expressão).
    Levantei-me com cara de nenhum amigo e pus-me a sair do recinto, não fiz escândalo, nem dei pancada em ninguém, pois não era do meu feitio, minha indignação seria descarregada nele quando estivéssemos a sós. Deixei o prato servido quase frio  (não tinha dado nem uma só garfada, enquanto eles comiam com vontade). Claro que o inominável veio no meu encalço, puxou-me pelo braço e encarou-me sério como se eu estivesse fazendo a coisa mais terrível do mundo “Onde pensa que vai?”, disse o desavergonhado. Eu não respondi, achei aquilo uma verdadeira afronta, quase cuspi na cara dele, porém, controlei-me ao máximo e só avisei-o “Se quiser falar comigo terá que me procurar.”
    Acordei sobressaltada, pois minha irmã me chacoalhava enquanto eu gritava “Ele é meu sua...” parei a frase no ar, acredito que falava comigo mesma, já que não consegui soltar meu veneno. Olhei para minha irmã assustada, eu estava ensopada e bastante nervosa. Apesar do estado em que me encontrava, pensava: “Foi só um sonho.” Minha irmã com cara zangada informou que quase teve um ataque ao acordar com meus gritos.
    De volta à cama depois de trocar de roupa e tomar um banho para refrescar, achei graça da cena. Meu namorado sempre foi um homem muito romântico e muito sério em relação a outras mulheres, sempre acreditei que ele era fiel a mim. Tudo que fazíamos era juntos. Pensava rindo cá com meus botões: “Que sonho mais descabido”, voltei a dormir.
    Eu havia encontrado a aliança no bolso de seu paletó, por acidente, ele estava em casa enviando e-mails no notebook, pediu que eu apanhasse a chave do carro, foi então que encontrei-a, mas não disse nada para não estragar a surpresa.Fiquei esperando um jantar a dois para o tão desejado pedido. Talvez por essa razão estivesse tão propensa a ter esse sonho esdrúxulo.
    Passaram-se alguns dias e ele não se pronunciava quanto a isso. Achei estranho. Até que acordei numa manhã de sábado, sabendo que ele teria um compromisso de trabalho (corretores de imóveis não têm final de semana livre), marquei com uma amiga para almoçar num restaurante que ela indicou, seria uma boa oportunidade para eu conhecer o lugar, ela sempre falava bem da comida de lá.
    Ao dobrar a esquina que dava acesso ao endereço combinado comecei a tremer, não parei de dirigir, porém, mais lenta, embiquei o carro no estacionamento, um carro buzinou atrás de mim e gritou algo que eu não consegui ouvir tamanho era meu assombro. O lugar era exatamente o do meu sonho. Parei na porta e entreguei a chave ao manobrista, entrei com as pernas bambas e estaquei na porta. Recebeu-me ninguém mais ninguém menos que o maitre já conhecido. Nem o ouvi, procurei com o olhar a mesa e lá estavam eles, a conversa correndo solta e descontraída, no entanto eles estavam mais próximos, mais íntimos. Não sei quanto tempo fiquei ali congelada, esperando minhas pernas arriarem de vez com o peso do corpo, mas foi então que vi a cena mais bizarra, ele retirou um anel do bolso e entregou-o à moça de cabelos longos, esbelta e de beleza ímpar, ela, com olhos marejados, sorriu e murmurou o que pareceu um “sim”. Tudo escureceu e as minhas pernas pararam de sustentar-me.
    Cinco meses depois, o casal apaixonado mudou-se para a rua Asafe.    

          

 "Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas."
O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint Exupéry

3 comentários:

  1. Epa, Epa, Epa não...não gostei..fiquei com um gostinhu de arrevanche....e ela não vai dar o troco ou algo assim? vc deveria escrever agora Deja vu o retorno e a vingança........hahaha

    ResponderExcluir
  2. Rita, adorei o tom de suspense que vc deu ao seu texto, o final foi surpreendente, achei que o último parágrafo, curto, seco e direto foi uma facada no coração da narradora e das leitorAS, rsrs, concordo com a opinião da Graci, qdo é que vc vai escrever um texto fazendo este carinha sofrer?? rsrsrs
    Parabéns, minha amiga!!

    ResponderExcluir
  3. Rita...estou com saudade de ler seus textos! E o troco da personagem? estou curiosa! bjus

    ResponderExcluir